sábado, 21 de maio de 2011

Wellington

Não, eu nunca tive esperanças. Entusiasta? É, a senhora pode chamar de coleção. Melhor seria compilação. Para quê? Para nada. Para não me deixar iludir. Para não deixar de pensar. O ser humano é uma raça execrável. Criar? Pelo contrário. A nossa vocação é destruir. Sempre. Dizem que a capacidade de criar aproxima o ser humano do divino. A senhora acredita? O que realmente nos aproxima do divino é a destruição. Forças opostas que se anulam. O ser humano é a guerra. A senhora lembra daquele filme que o cara colocou um puta som no avião, pra tocar Wagner enquanto despejava bombas de napalm nos guerrilheiros do Vietnã? Quer imagem mais perfeita de criação e destruição conjugadas? O cara era deus. Você consegue imaginar o que o napalm faz? Claro que sabe. Tem aquela foto famosa, dos anos 60. A da garota nua. A senhora se lembra da expressão dela? A senhora imagina gente com os cabelos queimados, desfigurada com as queimaduras, pedaços de pele pendurados nos dedos, agonizando de dor? É. Isso é o ser humano. Outros exemplos? A gente pode passar grande parte da eternidade aqui, relacionando. Os livros são bons exemplos. Um que todo mundo conhece. A Ilíada. A senhora já leu? Toda, não? Claro. Mas a a senhora sabe do que se trata. Versos sucedendo versos, cantos sucedendo cantos descrevendo batalhas sangrentas, ou campos de batalha cobertos de cadáveres. Já leu Céline? Aos vinte e poucos anos Tolstoi acreditava que a guerra era o único meio para defender seus ideais, os ideais do seu povo, da sua nação. Foi para a guerra, passou 2 anos. Voltou desiludido. E escreveu aquele calhamaço. O Imagina o que eles presenciaram? a rajada de metralhadora rasgou o peito do sargento. Instintivamente ele juntou as mãos sobre o ventre e caiu de bruços. Não se mexeu mais. Sabe, é como se a gente estivesse lá, se fosse com a gente. Os horrores da guerra: ... à medida que cavava, o chão ia juntando água, de modo que dormi as poucas horas dentro d'água, enrolado na manta. A senhora enxerga algum sentido nisso? Um cara falava em ver as estrelas de dentro da trincheira. A solidão da guerra congela a alma. O mesmo cara disse em outra parte: era bom quando dois caras podiam ficar juntos em um desses buracos – significava companhia. É, acabou.

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