terça-feira, 10 de maio de 2011
Miro
7 irmãos. Quando a fome aperta, quando nem fava tem, a gente raspa o cal do adobe. Come igual farinha. Conhece favas? É um tipo de feijão, grande, amargo. A única coisa que ainda dá por aqui. Quando tem, a mãe cozinha um punhado. Mal cabe na mão fechada. Com muita água. Divide os grãos pra cada um. Já comeu cobra? Bugio? Teiú? Não conhece? É uma espécie de lagarto. Só se come a cauda. O resto é venenoso. Mas a gente come tudo. Não dá pra desperdiçar. Veneno mesmo é viver. Preá? A mãe lambendo o focinho da cachorra, pra aproveitar o sangue. Como é? Já leu isso em livro? Sim, a cabra. Apareceu tem uns dias. Deve ter fugido de longe. Está que é só osso. Leite? Tá brincando. Viu o tamanho da bicheira roendo os peitos dela? Esperar o dono procurar? Bobagem. Qual doido nessa miséria toda deixou ela fugir? Só pode ser milagre. Sabe como é. Tem que matar logo. Antes da bicha adoecer. Pancada na cabeça. Com o cabo da enxada. Depois salga. É carne para o ano. Põe na trava do telhado. Senão os meninos pegam. Uma vez por semana uma lasca. No feijão. Só o cheiro. Na fava não. Estraga o gosto. Na necessidade a mãe cozinha até o couro. A gente toma o caldo. Já experimentou? Não esquece nunca mais o gosto. O pai quer vender a terra. Diz que vão desapropriar. Mudar pra onde? Divisa. A gente tem uma tia lá. Escola para os meninos. Eu? Não tenho mais idade. Vou trabalhar de ajudante. Com o pai. O marido da tia é pedreiro. Querer mesmo eu não queria. Mas precisa. A gente tem que evoluir. Não, eu não tenho medo. Medo? Já viu alguém morrer de fome?
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