Pediu um rádio. Não aguentava ouvir os gemidos dos doentes, os barulhos dos
aparelhos, o zumbido da máquina da hemodiálise, as conversinhas atravessadas
das enfermeiras na UTI.
...
Sugeriu ao padre do domingo instalarem autofalantes com música clássica. Para
a elevação do espírito e a salvação da alma que sobrevivesse aos tormentos daquele
purgatório.
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Coitadinho, desenganado. Chamassem os familiares. Urrou a noite inteira que o tirassem daquele inferno. Arrancou
os tubos, fez um estrago, não deixou a enfermeira dormir. Amanheceu resignado. As mãos amarradas na grade da cama. No relatório o plantonista omitiu a dose tripla de sossega-leão
misturada ao soro direto na veia.
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Reclamou com as visitas: que matavam-no, aos poucos, de fome e de sede. Na
cabeceira da cama o coquetel diurético, a vitamina, o iogurte diet e a garrafa
de água pela metade.
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Pediu que o enterrassem com o terno cinza, da
formatura. E que cancelassem a galinhada do almoço de aniversário, encomendada
um dia antes da internação.
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Reivindica morte digna. Com água que não seja pela
sonda, banho que não seja de gato e o pessoal do teatro para aplaudir o grand
finale.
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Pensamento positivo: sair da UTI a tempo de assistir em casa ao final da novela.
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