segunda-feira, 16 de setembro de 2013

dois poemas portugueses

O amor

Estou a amar-te como o frio
corta os lábios.

A arrancar a raiz
ao mais diminuto dos teus rios.

A inundar-te de facas,
de saliva esperma vidros.

Estou a rodear de agulhas
a tua boca mais vulnerável.

A marcar sobre os teus flancos
o itinerário da espuma.

Assim é o amor: mortal e navegável.

(Eugénio de Andrade, Antologia Breve, 1972)


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Soneto

Sebento abrigo, em fumo de manejo
até à sombra quente afeiçoada
ao brilho lento e vasto em que te vejo,
até a tarde atrás da madrugada,

até à noite porta sobre um tejo
distante na memória, onde encrespada
uma palavra morre e vive um beijo
que a boca não sabia ensinada

foi por calados ventos e desejo
- em fumo, em fome súbita e molhada
te sigo, te revisto e te protejo,

até o fim dos olhos ou da estrada,
amor possível, tacto, nó de ensejo,
destemida ternura resguardada.

(Pedro Tamen, Os Quarenta e Dois Sonetos, 1973)

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