terça-feira, 11 de setembro de 2012

bilhetinho-bordado

Hoje eu falei à multidão de doutos que se aglomerava diante das escadarias, do lado de fora da nossa casa. Gaguejei nos trechos em que me referia a você, mas no geral, minhas palavras-pombos agrupavam-se em revoada pelas torres, para em seguida pousar no calçamento, cinzentos, arrulhando metáforas e ciscando significados entre os rejuntes das pedras.

Hoje também, invertendo o sentido do ditado, decidi jogar água gelada para espantar de vez o gatão branco de rua que ontem à noite me assustou ao invadir por duas vezes a sala-de-estar, na tentativa de jantar o casal de calopsitas.

No mais, o mesmo: de manhã, comprei ração e favos de mel. Para o almoço, encomendei à mamma brusquetas, iguais às que ela preparava para o nosso lanche aos sábados. Rodei duas vezes os ponteiros do relógio na tarde que parecia nunca acabar, no escritório. Consultei a gramática para tirar uma dúvida pronominal e o dicionário para confirmar um sinônimo para o termo ausência. Nadei ao entardecer, ladeado por semidivindades das águas marinhas que não me deixaram tocar-lhes os corpos, nem depois, durante o banho, no vestiário.

E no linho encardido entre uma palavra e outra desse bilhetinho-diário eu bordei diversas vezes o teu nome, para ver se acaba essa coceira, esse azedo, esse zumbido no ouvido, essa vermelhidão nos olhos, esse mau-cheiro debaixo das unhas que é a falta que você me faz.

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