Antúrios murcham no jardim de inverno. Copos-de-leite na mesa-de-centro. Da janela do sótão avista-se o lago azul desbotado, as bordas da cor de magma. A colunata do castelo, do outro lado da água, é como palitos de picolé de uma maquete pintada de branco.
Folhas secas, terra seca, grama seca, galhos secos entre a água e os meus olhos. Eu já me cansei de varrer os cadáveres dos pássaros que se esborracham nos vidros da janela. De limpar as carcaças de insetos que cobrem as superfícies dos móveis e enchem os vidros das arandelas.
Se pudesse, eu escancarava as portas e as janelas e deixava o ar de fora, aparentemente menos quente, penetrar a casa aos redemoinhos, ventos, tufões e tempestades. Mas você contém o meu gesto, segura o meu braço, me prende em outro abraço, antes do inevitável.
Se eu abrir as portas e as janelas, as almas dos mortos que vagueiam pelo jardim e pelo pomar entrarão na casa. Tomarão os nossos lugares à mesa, amassarão os lençóis e os travesseiros da nossa cama, urinarão nas bordas do vaso sanitário, arrancarão as páginas do caderninho e espalharão pela sala os meus segredos anotados nelas.
Por isso eu me contento em esperar que venha de novo a noite. Para dormir e ver findar outro longo dia. Esperar que o dia após a noite de sono interrompa a mortandade dos pássaros nas sacadas, arrebente os caixilhos das janelas, as fechaduras das portas, que a nuvem de vento, tufões e tempestades arraste para bem longe as almas e os espíritos dos mortos.
Ok, eu sei, esse dia talvez demore a chegar, o mais certo é que nunca venha. Enquanto isso, ignoremos as súplicas na janela do nosso quarto, deixemos acumular os insetos, os cadáveres dos pássaros, finjamos indiferença ao barulho do relógio a ritmar segundo a segundo o os últimos, abafados e intermináveis instantes da nossa existência.
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