Acordei com Etta James cantando Stormy Weather morno, baixinho, suave, no meu ouvido. Dobrei os
cobertores, bati os travesseiros e abri a janela do quarto para tirar o cheiro
de saudade, de sono velho, de ressonar do gato e de mofo das gavetas e dos
armários. Alimentei os bichos, molhei os vasos de flores, recolhi as titicas
dos pombos, as folhas secas e os tufos de cabelo que a vizinha do apartamento de
cima faz questão de jogar na varanda. Depois do banho, preparei iogurte com cereais
e passei um café bem forte, para aguentar o batente. Caprichei no gel do
cabelo, no perfume amadeirado, combinei a gravata vermelha com aquele terno
fashion, de cintura estreita e ombros largos e os óculos escuros que me deixam
com cara de Keanu Reeves. Saí para a rua preparado para enfrentar a fome dos
mortos-vivos, de olho no meu cérebro-com-sabor-de-tofu; o assédio dos extraterrestres
desejando mamar minha energia vital; arquitetando antídotos contra o vírus letal
(enxertado em minha corrente sanguínea durante o sono), tentando apagar as
minhas lembranças.
Mas o que me aniquilou foi imaginar o que você
ainda teria a me dizer, ao ver teu nome encabeçando a lista de e-mails não
lidos, piscando na tela do computador do escritório.
Nenhum comentário:
Postar um comentário