sexta-feira, 21 de setembro de 2012

a tua vinda

Eu me encharquei de lirismo barato quando você disse que viria. Meu deserto cobriu-se de nuvens. O vento escancarou as portas e as janelas e encheu a casa de folhas. Relâmpagos riscaram o escuro. Trovões ribombaram na planura. O que era seco, estéril e cor-de-palha pejou-se de chuva, verdes e fertilidade.

De imediato florezinhas amarelas espalharam-se pelas sebes ressecadas. Borboletas também amarelas, e algumas brancas, de asas do tamanho de papel picado revoaram, rasteiras e desajeitadas. Subiu da terra, junto com as gotas da primeira chuva, colostro, o cheiro molhado do teu corpo.

Espalhei os baldes e as panelas debaixo das goteiras. Deixei à mão a vela e os fósforos para o caso de acabar a luz, por causa dos relâmpagos. Acendi incenso no canto do quarto, para espantar os insetos. Abri uma garrafa de vinho, aconcheguei o gato no colo e me sentei na poltrona, de frente para a porta. Adormeci antes de ouvir e de te ver e de te sentir chegar.

Quando acordei, estava escuro e frio. O gato ressonava. A chuva tinha cessado. Só clarões dos relâmpagos de vez em quando e o troar dos trovões cada vez mais longe. Os únicos sinais de tua vinda eram a taça de vinho vazia, a manta a me envolver as pernas e um gosto amargo, amargo, amargo na boca, que nem todo todo o creme dental da casa conseguia disfarçar.

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