Eu me encharquei de lirismo barato quando você disse que viria. Meu deserto
cobriu-se de nuvens. O vento escancarou as portas e as janelas e encheu a casa
de folhas. Relâmpagos riscaram o escuro. Trovões ribombaram na planura. O que
era seco, estéril e cor-de-palha pejou-se de chuva, verdes e fertilidade.
De imediato florezinhas amarelas espalharam-se pelas sebes ressecadas.
Borboletas também amarelas, e algumas brancas, de asas do tamanho de papel
picado revoaram, rasteiras e desajeitadas. Subiu da terra, junto com as gotas
da primeira chuva, colostro, o cheiro molhado do teu corpo.
Espalhei os baldes e as panelas debaixo das goteiras. Deixei à mão a vela e
os fósforos para o caso de acabar a luz, por causa dos relâmpagos. Acendi
incenso no canto do quarto, para espantar os insetos. Abri uma garrafa de
vinho, aconcheguei o gato no colo e me sentei na poltrona, de frente para a
porta. Adormeci antes de ouvir e de te ver e de te sentir chegar.
Quando acordei, estava escuro e frio. O gato ressonava. A chuva tinha
cessado. Só clarões dos relâmpagos de vez em quando e o troar dos trovões cada
vez mais longe. Os únicos sinais de tua vinda eram a taça de vinho vazia, a
manta a me envolver as pernas e um gosto amargo, amargo, amargo na boca, que
nem todo todo o creme dental da casa conseguia disfarçar.
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