quarta-feira, 5 de setembro de 2012

rejeição

da água eu trouxe caracóis translúcidos do mar de aral, sereias mulatas da ilha de itaparica, tritões de pele escorregadia, cavalgaduras de hipocampos das profundezas de posídon, atlantes musculosos com nadadeiras nos calcanhares, guelras prateadas no lugar das orelhas e sexo recoberto de coral e nácar - e você mandou congelar no freezer

da terra eu trouxe um lagarto de pele cor-de-cobre, língua espinhosa lança-chamas e crista fosforescente, um casal de cobras-najas engastadas em cristal e lápis-lazuli, um gato vira-lata de pêlo rajado e olhos de turquesa, um jumentinho cor-de-areia, uma vaquinha malhada e um carneirinho de algodão para compor a manjedoura na época do natal e você mandou guardar no quarto de despejo, pois a empregada tinha acabado de varrer o chão da sala

do ar eu trouxe pavões e patos-mandarins, garças brancas e flamingos da cor do amanhecer, aves-do-paraíso mais cintilantes que o broche usado por tua mãe no dia do nosso casamento, borboletas de asas de açúcar-de-confeiteiro, vagalumes empanturrados de luz para piscar no escuro da nossa cama, perfume francês, incenso indiano e defumador da áfrica para harmonizar o espaço das nossas discórdias, e você nem abriu a caixa, se eu soubesse da tua alergia tinha cancelado o pedido

do fogo só restou a intensidade do meu desejo, a abrangência do meu amor e a incandescência do meu tesão - que você fez questão de apagar com a cusparada de escárnio na minha cara quando eu quis te arrancar o beijo de despedida

Um comentário:

Voyuer disse...

Fui tomado por Sensações múltiplas que freneticamente se intensificavam a cada frase lida. Muito lindas essas histórias narradas. Parabéns e obrigado por enriquecer nossos momentos com tão bela poesia!