segunda-feira, 24 de setembro de 2012

iracema, uma transa amazônica



Outro dia recebi na rede social a indicação do site Filmes Brasileiros Completos. 160 clássicos, de Limite a Zé do Caixão, de Roberto Carlos a 300km/h a Mazaroppi, assim por diante (senti falta de Ana Carolina). Devo ter visto a modesta metade. O resto, ou eu era muito novo, não passou no circuito comercial ou eu não tive interesse.

Ontem resolvi me atualizar. Ou me desatualizar, uma vez que a maioria dos títulos é anterior à década de 1980. E preencher a imperdoável lacuna cinéfilo-cultural. Apesar da média ou baixa qualidade das reproduções.

O sentido capricorniano determinou a ordem da lista apresentada no site. Como já tinha visto mais de uma vez os dois primeiros (Estômago, Marcos Jorge, 2007 e Limite, Mário Peixoto, 1930), abri Iracema, uma Transa Amazônica (Jorge Bodanzki e Orlando Senna, 1976).

O título sugere uma daquelas produções típicas do cinema brasileiro da época (ditadura, censura, repressão) - sexo, mulher pelada, roteiro esburacado, som ruim, canastrice, diálogos folhetinescos e uma sequência de adjetivos depreciativos.

Engano. O filme é puro estranhamento. Tributário do cinema novo - a preocupação dos diretores com o rigor dos enquadramentos e ao mesmo tempo a liberdade da câmera (o falso clichê glauberiano de "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça") - as conturbações poético-filosófico-existenciais viram pano de fundo apenas sugerido para o enfoque o social, antropológico e essencialmente político (mesmo com tantos prêmios internacionais a exibição foi proibida no Brasil até 1981).

Iracema, uma Transa Amazônica é uma mistura de documentário e ficção. A história do caminhoneiro Tião Brasil Grande (Paulo Cesar Pereio) e Iracema, uma prostituta menor de idade (Edna de Cássia) segue paralela à história da exploração econômica disfarçada em desenvolvimentismo da região amazônica e do megaprojeto de construção da rodovia Transamazônica.

Parêntesis: Edna de Cássia é (como se diz no jargão da crítica cinematográfica) magistral. Tinha 14 ou 15 anos quando fez o filme. O único. A mesma idade da prostituta Iracema. Hoje esse "recorte" de realidade seria inadequado, inadmissível, impossível: apologia à exploração sexual infantil.

As imagens, a fotografia são cruas e poéticas. Retratam além da realidade Iracema-prostituição, uma série de recortes (ainda estarrecedores) das realidades amazônica e brasileira, gritantes à época, e recorrentes 35 anos depois: grilagem de terras, comércio ilegal de madeira, queimadas e desmatamento e - talvez uma das cenas-imagens mais contundentes - o trabalho escravo.

Nesses tempos globalizados, nós nos deixamos bombardear por toneladas de informações - as problemáticas mundiais, as fofocas dos famosos, o reme-reme cotidiano, o exótico e o medíocre misturado. Conhecemos muito mais sobre o mundo e ao mesmo tempo somos cada vez mais inaptos em interagir nele.

Por isso, nada como um velho (e atualíssimo) filme para balançar as estruturas. Para questionar os pontos-de-vista razoavelmente estáveis. Fazer ver que a realidade é dinâmica, mas em muitos casos, demora a mudar.

...

O próximo da lista é o documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro (autorretratos), de Paulo Sacramento, 2003. Rodado no extinto presídio do Carandiru. Alguém se habilita?






2 comentários:

Unknown disse...

A globalização só serviu para mediocratizar o povo que com um celular, ipod ou ipad na mão e sem qualquer noção na cabeça, sabe de tudo nada!

A velha máxima sempre coexistirá entre nós. "A história sempre se repete, muda-se apenas o tempo e os protagonistas."

Fico apenas triste com o fim da menina que hoje tem 53 anos, tem um filho, vive na miséria e trabalha como lavadeira para comer. Mesmo tendo ganho, mas não levado, prêmios como melhor atriz protagonista desta película.

A vida é assim, aqui no Brasil, é claro!

Unknown disse...

A globalização só serviu para mediocratizar o povo que com um celular, ipod ou ipad na mão e sem qualquer noção na cabeça, sabe de tudo nada!

A velha máxima sempre coexistirá entre nós. "A história sempre se repete, muda-se apenas o tempo e os protagonistas."

Fico apenas triste com o fim da menina que hoje tem 53 anos, tem um filho, vive na miséria e trabalha como lavadeira para comer. Mesmo tendo ganho, mas não levado, prêmios como melhor atriz protagonista desta película.

A vida é assim, aqui no Brasil, é claro!