(...)
Antes os mortos ainda não eram assustadores. Uma vez por semana vinham cear conosco na varanda ao anoitecer. Os gatos subiam para os telhados, os cães uivavam pouco e sem vontade e se enroscavam pelos cantos. Os mortos vinham e tiravam dos bolsos cheios de terra histórias misturadas a sementes, a fiapos de tecido podre, a botões de osso que há muito tempo não se fabricavam mais. Geralmente as histórias eram boas de serem ouvidas. Quando não valiam a pena e nós nos dispersávamos, os mortos tiravam os instrumentos das sacolas e cantavam e tocavam e dançavam músicas e danças tão alegres que nos faziam esquecer de que nós éramos os vivos e que mais cedo ou mais tarde seríamos nós os que tocariam e cantariam e dançariam e contariam histórias na varanda ao anoitecer.
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