terça-feira, 20 de dezembro de 2011

história de natal (2)

(...)
Ao contrário dos outros dias, ao invés de lavar as mãos e o rosto com sabonete de glicerina na água com folha de laranja que a empregada trazia na bacia e enxugar-se na toalha bordada, e acariciar os nossos rostos antes de sentar-se à cabeceira da mesa, naquele dia nossa mãe falou pouco e mal tocou na comida do prato. Aguardou que comêssemos, que brigássemos para escolher a coxa, a moela, a forquilha, o coração do frango, que medíssemos o pedaço maior do pudim, a colher mais cheia do doce de leite, que nossos irmãos mais velhos tomassem a primeira, a segunda e a terceira xícara de café, que acendessem e fumassem e batessem as cinzas e apagassem os tocos dos cigarros nos cinzeiros de ferro batido, que a empregada tirasse os pratos e as tigelas e as travessas, para então, com o olhar acima das nossas cabeças sentadas, focado no nada, ou talvez atravessando a parede espessa atrás da qual se avistava as montanhas, o céu e o mar atrás das montanhas, para nossa mãe nos dizer que nosso pai viria, talvez para o jantar, talvez na próxima semana, talvez quando já estivéssemos crescidos, e quando nosso pai chegasse, ela, nossa mãe, provavelmente não estaria mais entre nós.

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