(...)
Quando nós nos esquecíamos e mencionávamos sem querer durante o almoço os dobrões de prata, os patacões de ouro, as gemas de cores e tamanhos variados, as correntinhas de ouro com seus respectivos escapulários ou camafeus, os braceletes em forma de serpente com olhos de rubis, os pingentes em forma de escaravelhos cor de esmeralda, os copaços de bronze marchetados, os medalhões do baú guardado no sótão, nossa mãe batia com mais força a colher de pau na borda do caldeirão, apagava o fogo, enxugava as mãos no pano de prato bordado com pimentas vermelhas, abria a gaveta de cima, tirava da bainha a faca de cabo preto das cebolas e riscava horizontalmente o ar três vezes, na altura dos nossos olhos, como se para cortar qualquer resquício, qualquer vínculo, qualquer tentáculo, qualquer âncora, qualquer amarra que nos arrastasse outra vez para o meio da tempestade onde embicava desgovernada a nau fantasma que sabíamos ter pertencido ao nosso pai.
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