quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

história de natal (3)

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Naquele natal, pouco antes do inevitável acontecer, pela primeira vez os mortos-vivos não vieram. Todos nós, exceto os nossos irmãos mais velhos sentimos a falta deles. Nossa mãe, que se preparara durante as últimas semanas para recebê-los, para presenteá-los com bugigangas, para cumprimentar os adultos e afagar as crianças, foi a única que se ressentiu. E nada adiantou pedir aos nossos irmãos mais velhos para procurá-los, para saber a razão da ausência. Nossa mãe estava certa de algo muito grave acontecera ou, pior, estava prestes a acontecer. Nossos irmãos mais velhos simplesmente recusaram-se a ir, alegando a intransitabilidade das estradas, os atolamentos, os deslizamentos, a vacinação das vacas, o abate dos porcos, do novilho, dos frangos, dos patos e dos perus para a ceia de natal, e mesmo a inutilidade e o despropósito daquelas visitas, que, segundo as palavras deles, já acabavam tarde. Percebendo a inutilidade das súplicas e a frieza dos corações dos nossos irmãos mais velhos, nossa mãe decidiu ela mesma aventurar-se na madrugada invernosa. Vestiu a parca branca com capucho, os tamanquinhos holandeses que nosso pai a presenteara antes do casamento, encontrou as chaves da caminhonete escondida por nossos irmãos mais velhos no velho cofre de prata sobre o aparador e partiu pela estrada do leste, por onde os mortos-vivos sempre vieram. Nós, os mais pequenos, passamos o dia a vagar pelos cômodos da casa, ora choramingando e chamando baixinho o nome da nossa mãe, ora escapulindo das cusparadas de nossos irmãos mais velhos que a cada minuto se tornavam mais e mais impertinentes. O que todos pressentiam, mas ninguém arriscava expressar em palavras, nem os nossos irmãos mais velhos em sua onda de histeria, nem a empregada incapaz de conter o caos, e nem nós, os mais pequenos, transidos de medo, mijados, cagados, sem escovar os dentes ou pentear os cabelos, era a certeza de que nunca mais ouviríamos a voz clara e firme de nossa mãe a nos repreender, de que nunca mais sentiríamos o calor da mão da nossa mãe sobre a nossa barriga congestionada, de que nunca mais teríamos com quem reclamar dos abusos abomináveis cometidos por nossos irmãos mais velhos.

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