sábado, 31 de dezembro de 2011

história de natal (10)

(...)
No instante em que a aba do chapéu de nosso pai tocou a palma da mão de nossa mãe, o halo, o cone se desfez. Desmanchou-se também o sentido, a intenção do gesto, amoleceram os dedos, a musculatura, a mão, e o braço de nossa mãe tombou ao longo do corpo. Justo nesse momento, por coincidência ou não, as luzes da sala oscilaram, falharam, piscaram e se apagaram. Assim, ao invés do natural relaxamento de todos, acompanhado do desfazimento do túnel-cone e do gesto de nossa mãe, e terminada a travessia de nosso pai, ao invés de terminar, a tensão prolongou-se, pois o coincidente piscar das luzes foi um sinal, um alerta de que mais acontecimentos viriam, ou explicações, o desfecho previsível. O piscar das luzes estendeu a tensão, impediu de se descongelarem os gestos dos convidados, as cinzas dos cigarros serem batidas nos cinzeiros, as mãos descansarem as taças na mesa, os últimos goles descerem pela garganta, os caroços de azeitona serem jogados pela janela, os guardanapos limparem os cantos das bocas. Nós já estávamos acostumados, a corrente elétrica oscilava, por exemplo, quando mais que dois de nossos irmãos mais velhos demoravam-se ao chuveiro, quando se ligava mais de uma máquina ao mesmo tempo, a ordenhadeira, o descaroçador, a bomba hidráulica, etcétera, a máquina velha do gerador sobrecarregava-se, e era só o tempo das pupilas se acostumarem com o escuro, se dilatarem, para que um de nossos irmãos mais velhos se dirigisse à casa das máquinas e religasse o gerador, às vezes nem era necessário levar a lanterna, tão acostumados estávamos, sempre, assim o pique de luz não deveria ter sido surpresa, afinal todas as luzes da casa estavam acesas, o pisca-pisca da árvore de natal e das guirlandas, o aparelho televisor e o de som, o refrigerador na temperatura máxima de congelamento, mas justo na noite de natal, justo na noite em que nosso pai voltava, depois de tanto tempo desaparecido, a queda de energia nos tomou desprevenidos, porque o escuro se desencadeou o depois, as consequências foram definitivas.

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