sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

história de natal (5)

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Durante o período que nossa mãe esteve ausente a confusão na casa tomou proporções de caos, incontrolada, agravada pelos apelos inúteis da empregada com a mão suja de penugem e de sangue das galinhas, dos patos e dos perus degolados e depenados na água fervente, de farofa para rechear o leitão, de cebola e de ervas finas no molho para marinar o novilho, tentando colocar um mínimo de ordem, pelo choro dos mais pequenos, mijados, cagados, famintos ou as três coisas juntas, que se estapeavam, puxavam os cabelos ou enfiavam os dedos nos olhos e nos narizes uns dos outros, pelo mugido das vacas que entraram no jardim pela porteira deixada aberta por nossa mãe ao sair de madrugada, e espreitavam com os focinhos encostados nos vidros das janelas o movimento dentro da casa, onde nossos irmãos mais velhos gargalhavam, falavam palavrões, uns jogando truco, outros bebendo, quebrando copos cheios de cerveja e batendo as cinzas dos cigarros no chão ao mesmo tempo, outros grudados no telefone, convidando os amigos, as namoradas, as namoradas dos amigos, as moças e moços de reputação duvidosa para a ceia, mal sabendo nossos irmãos mais velhos que o pior estava prestes a acontecer, que o mal, ou a surpresa, ou o inusitado galopavam cavalos ligeiros, que em breve aquela faina desgovernada causada pela ausência dos mortos-vivos na madrugada da véspera de natal, aquela balbúrdia, aquele deus-nos-acuda, seria a primeira e a última, como seria último o natal que passaríamos todos juntos.

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