Não bastasse o sentimento de culpa e de inadequação, a frivolidade, a soberba, a inconsequência e a pretensão e a ressaca dos últimos dias, uma cigarra ou um grilo ou um bicho qualquer dos infernos de voz potente resolveu de chiar em algum canto da casa. O som ininterrupto ocupa todo o espaço e se posiciona no alto da minha cabeça, reverberando nas paredes internas do discernimento.
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Passei o dia deitado. Dormitando, coçando, ouvindo a chuva, pensando em nada que valesse a pena, tentando não pensar, folheando uns livros, olhando para as manchas de mofo do teto. Fiz chamadas e mandei mensagens pelo celular, mas ninguém atendeu ou respondeu. A televisão estragou. A faxineira faltou. O casal vizinho viajou. O sinal da internet falhou. Nem o barulho dos pássaros, dos carros da rua, nem a musiquinha do caminhão do gás. O mundo acabou durante a madrugada e eu sou o único sobrevivente do cataclisma.
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Talvez seja hora do crustáceo se recolher à concha emprestada até a maré voltar a subir.
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