sábado, 19 de março de 2011

2 amigos

Era uma vez Bernardo e Álvaro. Amigos desde o jardim de infância. Unha e carne. Se Bernardo sofresse, Álvaro parava tudo que estivesse fazendo para consolá-lo. Se Bernardo ligasse embriagado às 3 da manhã, Álvaro ouvia as lamúrias e aconselhava. Se Bernardo pulasse em um buraco, Álvaro pulava junto. Só para não deixar o amigo sozinho.

Há séculos atrás, quando mal saíram da adolescência, tinha rolado um clima. Em Uberlândia. Bêbados, de madrugada, na praça, Álvaro declarou-se. Tentou beijar Bernardo. Bernardo repudiou. Riam quando a história era contada nas rodas de amigos.

Mas a amizade não era assim tão equilibrada. Bernardo era desligado. Um pouquinho egoísta. Não tinha a paciência de Álvaro. Nem o cuidado, a dedicação. Primeiro era ele mesmo. Depois o resto. Para Bernardo, a visita quinzenal de Álvaro era suficiente. Uma espécie de benevolência.

Era geralmente às sextas-feiras. Geralmente antes de saírem para a balada. Geralmente Álvaro levava pizza, esfirras, chocolate, salgadinhos, energético e cigarros.

Bernardo gostava. Porque detestava sair sozinho. Porque não tinha carro. Porque táxi era caro.

Então Bernardo arranjou um namorado. Quando Álvaro soube, era fato consumado. Bernardo ia morar com o cara. Álvaro tentou aconselhar. Bernardo deveria repensar. Mudar-se para a casa de um desconhecido. Perder a privacidade. Logo Bernardo, que tinha dificuldade de compartilhar.

Bernardo morreu de rir. Depois irritou-se. Sabia se cuidar. Que Álvaro não metesse o bedelho onde não tinha sido chamado. 

Álvaro ficou arrasado pela possibilidade de rompimento. Resistindo em admitir os ciúmes.

Com o namoro,Bernardo sumiu do mapa. Falavam-se cada vez menos. Mais por insistência de Álvaro. Bernardo não precisava mais de Álvaro para a balada. Para o lanche da sexta-feira. Para os fins de semana em Ubatuba. 


Álvaro morria de saudade. Mas entendia. Qualquer dia a gente te convida, Bernardo falava. Mas nunca convidava.

Como esqueceu-se de convidar Álvaro para a festa do aniversário de 30 anos.

Foi a gota d’água. Álvaro magoou-se. Até chorou. Desde crianças, sempre comemoravam juntos os aniversários. Ainda pensou em ir à boate. Encontrar Bernardo por acaso. Fingir surpresa. Mas Álvaro não era falso.

Por maior que fosse a amizade Álvaro não perdoou o amigo. Adoeceu por conta do descaso.

Deu um tempo. Pelo jeito Bernardo não sentiu falta, pois também não procurou Álvaro. O tempo acabou por cicatrizar a ferida. Álvaro seguiu a vida. Mancando, mas seguiu. Problema de Bernardo não valorizar a amizade.

Alguns meses depois o celular tocou. Álvaro sobressaltou-se. Mesmo sem olhar no visor, pressentiu. Era Bernardo. Hesitou em atender. Porque o coração tinha disparado. Porque não sabia o que dizer. Porque a mágoa sufocada tinha aflorado de novo.

Colocou no silencioso até o celular parar de tocar. Até recuperar o fôlego. A taquicardia. Então ligou de volta. Mentiu. Oi, tudo bem? Eu estava no banho. O que você manda?

O texto era banal demais para quem tinha emagrecido 10 quilos, só de sofrimento. Para quem conhecia o interlocutor há mais de 20 anos. Mas era o máximo que Álvaro podia fazer. Disfarçar a emoção. A alegria de falar de novo com o amigo.

Nem precisou perguntar. O namoro tinha acabado. Bernardo estava com vontade de sair. A primeira vez depois da separação. Convidou Álvaro. Ele aceitou na hora. Quer que eu leve uma pizza?

Saíram. Não foi a mesma coisa. A mesma sintonia. Álvaro achou Bernardo mudado. Distante. Provavelmente a recíproca era verdadeira. Bernardo desapareceu no meio da boate. Deixou Álvaro sozinho. Encostado perto da porta do banheiro. Bernardo só apareceu na hora de ir embora. Para não perder a carona.

Álvaro esperou Bernardo ligar durante a semana. Dar notícia, falar da festa, agradecer a carona. Nada. Preocupou-se. Teria acontecido algo? Claro que não, senão o outro teria pedido ajuda. Esperaria.

Não deu outra. Bernardo só ligou 10 dias depois. Sem explicação sobre o sumiço. Convidando Álvaro para sair de novo. Bernardo estava morrendo de vontade de comer empadão de frango. Álvaro podia comprar naquela padaria do Paraíso. Forrariam o estômago antes da balada e matavam a saudade dos tempos de Uberlândia.

Álvaro topou. Também deu vontade de comer empadão de frango. De conversar borracha até o dia amanhecer. Coitado do Bernardo, tão deprimido com a separação. Necessitando colo.

Em seguida lembrou-se dos últimos acontecimentos. Da última saída. Do desprezo de Bernardo. De cada momento, de cada situação em que tinha sido relegado a segundo, terceiro plano. De cada furo, cada bolo levado. Era péssimo

Então houve uma reviravolta. Não podia ir. Não. Não queria ir. Pela primeira vez Álvaro disse não para Bernardo. Porque Bernardo era egoísta. Interesseiro. Porque Bernardo se aproveitava da amizade. Porque Bernardo nunca pensava no que ele sentia. Por que não ia ele mesmo à torteria comprar o empadão?

Da mesma forma que desligou o celular, deveria se desligar de Bernardo.

Bernardo tentou ligar de volta. Caiu na caixa postal. Álvaro chorou encostado na janela.

Depois lavou o rosto. Vestiu a roupa mais bonita. Guardou o portarretratos com a foto dos dois na parte de cima do guarda-roupa. Passou na torteria 24 horas e comeu uma fatia do empadão de frango com guaraná. Em homenagem a amizade. Que poderia tomar outro rumo, a partir daquela crise. Ou então morrer de vez. Dependia dos 2.

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