Se eu mudaria alguma coisa na minha vida? Se só me restassem mais 5 anos? Difícil essa. Se fossem 5 dias era mais fácil. Não sei. Veja bem. Em 5 anos acontece muita coisa. Não é por acaso que essa pergunta caiu para mim. O acaso não existe. Já ouviu falar em conspiração universal? Não? É só jogar no Google: conspiracão do universo. Você encontra milhares de textos. Tudo é interligado - desde um cocô de formiga até a explosão de uma anã branca. Não é demais? Tem a ver também com efeito borboleta. Não sabe? Sim. A teoria inspirou o filme. Muito bom. Muito interessante. O deslocar do ar provocado pelo bater das asas de uma borboleta na floresta amazônica provoca uma nevasca em Londres, uma cheia no rio Ganges, um iceberg despregar-se na Groenlândia. Você acha que depois de pensar assim a vida não toma outro rumo? Saber que por mais insignificante, você é peça fundamental? Que sem você o universo se desequilibra? Que não adianta buscar, que só aparecerá alguém na sua vida na hora certa? Que as pessoas são parte do movimento do Universo? Uns chamam isso de Destino. De Deus. De Ciência. Não! É pura filosofia. Puro pensamento. Claro. Tem o outro lado da moeda. Claro. É. Eu também sei. Desequilibrar para reequilibrar de nova forma em seguida. O tempo todo. Indefinidamente. É a dinâmica do universo. Viu a conspiracão? A pergunta era sobre o tempo. Sobre o que eu mudaria na vida se só me restassem 5 dias. 5 anos. E eu falei sobre conspiração do universo. Sobre efeito borboleta. Até sobre Deus. E cheguei onde? Nele. No tempo. Entendeu agora? A resposta certa por linhas tortas. Não entendeu? Nada. É. Eu não faria nada. Ou, melhor, eu reagiria aos impulsos do universo. Ser mais objetivo? Certo. Tem um filósofo que diz: a afirmação pode se originar da negação. A recíproca também é verdadeira. Ao afirmar ele poderia negar. E anular a própria afirmação, não é incrível isso? Já se passaram 4 minutos? Então. Eu me negaria a mudar. Nem que me restassem só 5 meses. 5 dias. 5 horas. Pois certamente algo me mudaria. Então. Para concluir. Devolvo a pergunta: o que você faria se te dissessem que é tudo sonho? Ilusão? Não precisa responder. É para pensar. Obrigado. Posso fumar?
sábado, 29 de janeiro de 2011
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Maritza
Comunicação. Na Puc. É. Sou filha dele. É. Dos frigoríficos. Eu perdi muito tempo na vida escondendo isso. O Fred tem razão. A pessoa é para o que nasce. O Fred? Meu psicanalista. Vamos deixar de hipocrisia. Minha família é podre de rica sim. Não nego. Não. Não quero herdar o lugar de mamãe. Vocação zero para socialite. Substituir Soninha Frota não é para qualquer uma. Você sabe. É. Na verdade eu não preciso de passar por isso. Mas eu quero. Tipo conseguir as coisas por meu próprio mérito, sabe? Pelo menos uma vez. Disputar a vaga de igual para igual com essas pessoas comuns. Antes de vir papai me disse: filha, se quiser eu converso com o Pinheiro. Não, paizinho, respondi. Isso é só comigo. É. Eu sou muito franca. Eu quero sim. Estou aqui para provar para mim mesma. E para o mundo. É. Eu sou capaz. Capaz de ajudar as pessoas. Como? Ainda não sei. Mas aqui eu posso descobrir. Aprender. Eu gosto de falar com o povo. Eu sou povo. Como? Pode rir. Papai veio do povo. Nem terminou o 3º ano. É. Todo mundo sabe. Ele faz questão de dizer. Cortou muita carne de 2ª no açougue do vovô. São João do Meriti. A televisão é o melhor lugar. Imagina poder mudar o mundo em 1 minuto no horário nobre? Em um diálogo de novela? Um toque da Ana Maria? É. Eu sei. A vaga é no Departamento de Pessoal. Sei. Meu modelo é papai. Subir degrau por degrau. Então eu espero. Agradeço a oportunidade. Se não for essa haverá outras. Se Deus quiser. É. Eu tenho certeza que Deus quer. Dê lembranças minhas ao Pinheiro. Por favor, querida. Da parte de Maritza. É. Filha do Carvalho. Dos Frigoríficos.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Fonseca
Em que enrascada eu me meti quando era mais novo? Deixa eu ver. Posso pular essa? hehe. É sério? 5 minutos? Pode inventar? Tá bom. Brincadeira. Pra quê vocês querem saber? É entrevista ou interrogatório? hehe. Tá. Entendi. Faz parte. Bem. Vou contar. Por alto. Vai que tem alguém aqui envolvido. hehe. Eu sou especialista em enrascada. No microfone? Tá. Pode-se dizer que eu sou especialista em enrascada. É. Desde pequeno. Bom. A primeira que eu me lembro foi no armazém. Do Seu Antônio. Levei uma surra. Mas neguei. Até a morte. Pô. Qual menino que nunca fez isso? hehe. Roubar uma maria-mole? Bem. Essa não vale. Teve a das namoradas. Eu engravidei as duas. Saí fugido. A filha do delegado e a do prefeito. Ao mesmo tempo. hehe. Tá. Só mais uma. Me lembrei de uma boa. A do atestado. Não seria uma boa ocasião? Como assim? Sei. Testar nossa capacidade de quê? Essa vale a pena contar. Só mais dois minutos? Bom. Mas eu tenho direito, né? 5 minutos. Cravados. Bem. Pode interromper sim. Só quando o tempo acabar. Eu queria viajar não tinha folga aí fui a um médico chegado que engessou meu braço e me deu atestado de 3 dias e quando eu tava lá no bem bom da praia eu encontro - Acabou? Bem. Não querem saber? Meu chefe. hehe. Meu chefe em pessoa. Acredita? Ué. Já posso ir? Como assim? Pô, Não gostaram? Pô. Pelo menos deixa eu ouvir os outros.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
O garoto, a chuva e o cara do Land Rover
Eu disse pra mãe que eu não queria ir. Que preferia ficar sozinho. Eu detesto a serra. Ainda mais chovendo. Ela nem me olhou na cara. Quem você acha que é pra querer alguma coisa, sua bichinha? Que eu tirasse o cavalinho da chuva. Que eu só tinha 17. Que eu não ia ficar sozinho no apartamento dando pra deus e o mundo sem camisinha. Que eu tratasse de arrumar a mochila rapidinho. E ai de mim se eu encostasse um dedo na Bela de novo. A mãe sabe ser escrota. O jeito foi ir.
Séculos no engarrafamento na subida da serra. O namorado da Bela me espremendo. No banco de trás. Sem abrir o vidro. O cara apertando a coxa na minha. O bração no meu ombro. Cheiro de desodorante vagabundo. Vontade de descer e ir à pé.
Pedi pra mãe ligar o rádio. Pro tempo passar. Rezando pra dar bastante notícia da chuva. Pra eles se convencerem que era melhor voltar. A mãe cantando junto com a música. O erro! Ainda bem que eu trouxe o notebook.
Tomara que pelo menos tenha uma festinha legal. Um DJ que não toque música anos 80. Só com gente bonita. Sem aquele bando de velho babão se jogando na pista. Bando de velho safado se fingindo de legal pra comer os garotos da idade dos filhos deles.
Se eu conseguisse, eu vivia sem sexo. De boa. A gente sempre espera ser maravilhoso. Encontrar o cara certo. Tipo príncipe. Mas 99,99% é sapo. Tem até uns coroas gostosos. Até legais. Mas depois que gozam esquecem que a gente existe. Sempre é mais ou menos igual.
Quem sabe aparece um que eu ame de verdade. Que não seja possessivo. O problema é que eles gostam de ficar em casa. Se me amar, tudo bem. Eu fico. Com jeito eles fazem o que a gente tá a fim.
O pai tá de saco cheio. Pelo jeito queria ter ficado em casa. Tomando uisquinho. Fumando maconha escondido. Se pudesse ele tinha despachado a gente. E ficado com uma garota de programa. Ou um garoto, sei lá. O pai não deve ser tão diferente dos coroas da internet.
O mundo vai se acabar em chuva. O carro derrapou na estradinha de terra até a pousada. A mãe me obrigou a ajudar o namorado da Bela a descarregar o portamalas. Debaixo do maior toró. Eu vou dormir no colchonete extra. Num quarto com a Bela e o namorado.
Não dá pra passear na mata. Nem na cachoeira. Nem ficar na varanda. A internet tá lentérrima. Se desconectar eu me mato. Imagina o inferno. O fim de semana inteiro. Enfurnado na pousada jogando baralho. O pai enchendo a cara de cerveja. A mãe enchendo a paciência. Sai da frente dessa porra de internet e vai jogar com a Bela e o namorado. Eu fingindo não ouvir a Bela na cama do namorado de madrugada.
O namorado da Bela perguntou se eu ia sair assim. Assim como? Com esse toró. Eu ia sim. Encontrar um cara do site. Também passando o feriado na serra. 35 anos. Ainda bem que eu trouxe a capa de chuva do Flávio. De Nova York. A Bela foi contar pra mãe. Mandei ela pra aquele lugar.
Foi complicado descer. A enxurrada fazia uma cachoeira ao lado da estrada. Em baixo o rio quase cobrindo a ponte.
Fiquei debaixo de uma marquise até o cara do Land Rover aparecer. Legal ele. Bonitão. Sorriso lindo. Faz rafting e rapel. E pega onda. Não me deixou fumar no carro. Perguntou se eu era menor. Menti: 19. Não deu outra. Colocou a mão na minha perna. Chamou pra tomar uma cerveja na pousada dele.
Rolou. Foi demais. Depois a gente viu notícia da enchente na tevê. Dava em todos os canais. Já tava tarde. O cara me levou pra pousada. Não deu pra passar. A gente teve que voltar porque a ponte já tava coberta de água. Droga. Acho que me meti num rolo.
O jeito era avisar a mãe. Disse que ia dormir na casa de um amigo. Que amigo? da internet. Ouvi a mãe gritando pro pai vir me buscar. Eu disse que ele não ia conseguir passar na ponte. Ela não acreditou.
Passou mais de uma hora e a mãe me ligou. Pra saber porque a gente tava demorando. Porque o pai não atendia o celular.
Antes da meia-noite a mãe ligou de novo. O pai não tinha voltado. A pousada tava ilhada. Ninguém saía e ninguém chegava. Disse se cuida, meu filho. Ela devia estar mesmo assustada. Pra me chamar de meu filho.
O cara tava preocupado. Achando estranho aquela chuva toda. A gente procurou na internet. Tinha um aviso de risco deslizamento na Defesa Civil, bombeiros, sei lá. Complicado. Pra mim era perfeito. Só pensava que ia dormir a noite inteira com o cara dos meus sonhos.
De madrugada o cara me acordou. Tou voltando pro Rio. Teve deslizamento de morro. A ponte cedeu. O rio inundou a periferia. Arriscado ficar. Se quiser te dou uma carona.
Liguei pra mãe. Depois pro pai. Fora de área. O da Bela também. Eu não tinha o número do namorado dela. Senti um pouco de medo. Paciência. Nada a fazer. Topei voltar com o cara. Na estrada eu tentaria de novo.
A gente chegou já amanhecendo. Barreira caída na estrada. Sinal nenhum da mãe. O ap do cara é legal. Santa Teresa. Ligou a tevê. Só noticiário da chuva.
Eu nem prestei atenção. Tava cansado. Cochilei abraçado com o cara.
Mas aí começou o horror. A lama descendo do morro. Arrastando tudo. Carro, casa, vaca, cachorro na enxurrada. Helicóptero. Bombeiro. Gente soterrada. Gente isolada. Gente desabrigada. Gente morta. Terrível. Nem dava pra acreditar. O lugar onde a gente tava. há pouco tempo atrás. O lugar onde a mãe e o pai e a Bela ficaram.
Me deu um desespero. Nada do celular atender. O cara me levou em casa. Liguei pra tia. Também sem notícia. Perguntei se podia ir pra lá. Disse pra eu me acalmar. Que era melhor esperar. Que se desse passava lá em casa mais tarde.
Só podia mesmo ser irmã da mãe. Me dispensou. Pra proteger o priminho de mim. Evitar contato. Contágio. Numa hora dessas? Bando de gente hipócrita.
Fiquei conversando com o Flávio, que tava em Recife. Contei pra ele. Ele também viu na televisão. Falei do cara do Land Rover. Que eu tava apaixonado. O Flávio disse que eu devia ligar pra ele.
Pô, cara, eu tou aqui agoniado. Sozinho. Sem saber o que fazer. O cara perguntou se tinha comida em casa. Que eu me acalmasse. Que minha família devia estar bem. Que a torre do celular devia ter caído. Que eu devia mesmo ficar em casa esperando notícia. Que mais cedo ou mais tarde eles apareceriam. Que ele ia procurar saber notícia com um amigo do corpo de bombeiros. Que se eu quisesse, trazia um lanche.
Eu quis. Sanduíche, batata frita, catchup, coca-cola. Pedi que viesse logo. Aí eu esperei. Sentado no chão da cozinha. Pronto pra atender no primeiro toque do interfone.
Acho que a mãe tem razão. Eu sou mesmo bem doido. Em vez de ficar triste, pensei uma porção de maluquice. O notebook debaixo da lama. O pai e a mãe e a Bela mortos. Como ia ser a minha vida? Eu herdava o ap. E se tivesse que identificar os corpos? Será que eu ia morar com a tia? Nem morto. Com o cara do Land Rover.
Quando ele me abraçou me deu um negócio esquisito. Chorei. Descontrolado. De soluçar. Igual criança. O cara continuou me abraçando. Chorei de molhar a camisa dele. Queria derreter. Entrar dentro dele. Que ele me carregasse no colo. Esquecer a droga da chuva, da tragédia, da catástrofe. Queria só que ele me abraçasse. Pra sempre.
O peru aposentado e o estagiário gansinho
Era uma vez, no tempo em que os bichos falavam, um peru. Tinha chegado ao terreiro adolescente. Seu único amigo na época era o patinho feio. O gavião pegou o patinho. O patinho gostou. Foram viver juntos. Deixando o peru sozinho. Envelhecendo no meio da galinhada.
Canalizou a solidão para os estudos. Formou-se aos 19. Aos 20, concursado. Aos 30, abandonou o mestrado. Desde os 40, frequentava a sauna da fazenda duas vezes ao mês. Aos 53 aposentava-se, secretário do burro, gerente-chefe do celeiro.
Aconteceu na festa de despedida. Antes dos salgadinhos, dos refrigerantes, da torta e das latas de cerveja guardadas na geladeira da copa, para serem liberadas após o encerramento do expediente.
Enquanto o burro discursava, o peru notou o estagiário. Penugem arrepiada. Cara de bebê safadinho. O peru sentiu vontade de pegar o gansinho no colo, levar pra casa, colocar pra dormir, dar de mamar, fazer miojo de noite, andar de roda gigante no parque, tão fofo.
Como assim? sentimento paterno? Qual nada. Era a fúria contida do amor prestes a explodir. O peru queria mesmo era afogar o gansinho, pobreza de trocadilho. Perdeu o fio da meada da fala do burro. Só despertou do devaneio com o coro da bicharada exigindo: dis-cur-soo!
O peru emocionou-se. Duas lágrimas. Depois abraços, cumprimentos, lista com telefones, e-mails dos colegas, não se esqueça da gente! Presente: pijama! Piada. Não era. O peru era fino. Que chique! era isso mesmo que eu queria. Sem tirar os olhos do gansinho. Ou pegava o estagiário ou cortava os pulsos ali mesmo.
18 horas, cerveja liberada. O peru tomou o primeiro copo. O segundo. Nem beliscou o sanduíche de metro. No terceiro, alegrinho, passou a beber na lata. Achava sexy o barulho de abrir – ptssssssh! – imitou, meio gay, seguido de gargalhada que os colegas nunca tinham ouvido.
O estagiário dedilhava o violão. Quem sabe eu ainda sou uma garotinha. Em homenagem ao aposentado. O peru cego de desejo. Queria avançar, perigosamente, animado pela cerveja, estômago vazio.
Ofereceu o primeiro pedaço da Marta Rocha adivinhem a quem? Ao gansinho. Os colegas exclamaram, oh!, misto de reprovação e de quem queria ver o circo pegar fogo. O peru foi rápido: para saudar o sangue mais novo. O futuro da repartição. Aplausos.
O peru esperou o melhor momento e crau! puxou papo com o gansinho. Uma cantada ali mesmo, na frente de todo mundo, sentado na mesa do chefe. Que se danassem, era o último dia. Mas foi tão poético que o gansinho não entendeu. Ou fingiu não entender. Aquele peru bêbado com idade para ser pai, quiçá avô dele.
Não precisa dizer que o peru foi pra casa sozinho. Bêbado como um peru de véspera. Deitou-se sem tomar banho. Nem tirou as meias. Sonhou com o gansinho-estagiário.
No dia seguinte, no primeiro dia da vida nova de aposentado, o peru acordou tarde. Nem sentiu a dor de cabeça, o gosto de guarda-chuva, a sede da ressaca. Foi direto na lista dos colegas, junto com o presente, o pijama.
Enlouquecido de ansiedade, o peru ligou para o gansinho. Caiu na caixa postal. Deixou recado: oi, preciso falar com você, me liga quando puder.
O peru esperou até à noite. O gansinho ligou? Nem eu. Então tormenta era aquilo? Seria tormenta o sentimento que o peru tinha evitado tanto tempo? Desde o tempo do patinho feio, na adolescência? O peru sentiu inveja do patinho feio que não esperou. Que entregou-se de corpo e alma ao sentir na cara a primeira gota da chuva, o primeiro impulso do amor.
Então o peru rompeu com a reserva, a discrição, o senso de ridículo, o medo de rejeição, etc etc etc. Ligou de novo.
O gansinho atendeu. Conversaram. Primeiro sem muito assunto, a ressaca, a festa, o primeiro dia sem trabalhar. Pô, sempre te achei um cara legal, o gansinho disse. Sinal para o peru avançar. Tanto tempo perdido, só ter reparado no gansinho no último dia de trabalho, hehe. O papo engatilhou. Combinaram assistir a um filme. Tomar açaí no shopping. Sair pra dançar qualquer dia desses.
Era um começo.
Depois de desligar, o peru aposentado viveu feliz para sempre.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
domingo, 23 de janeiro de 2011
Rosicler
Rosalinda. Não é bonito? Tá, eu sei que a gente nunca diz o nome verdadeiro. Você ta sendo legal. Se eu pudesse mudar? Eu gosto. Desde de criança. Mudar pra quê? Minha amiga se chamava Kelly. Tinha a Chrys. A Thayanne. Tá, eu também acho esquisito. Tem nome que só combina com gente velha. Tem nome que não combina com a pessoa. Imagina puta chamada Sebastiana? Catarina? Virgínia? Socorro? É Lu. Kathy. Vivi. Rose. Abelarda? Você é mesmo muito engraçado. Tá, na escola me chamavam de Rosafeia. Pura inveja. Desses peitinhos. Desde os 10 anos. Tá, eu era feiosa de cara. Ó a foto. Igual à Chiquinha do Chaves. Diferença, né? Rosagostosa? Cê não presta mesmo. Igualzinho aos meninos da escola. Rosatesuda, ai! Que falta de ar. Pára! Eu vou me mijar de rir. Mijar não. Cê já tá bebinho, né? Não, queridão, pode me chamar de Rosa. Rosinha, tá? Deita aqui no colinho. Neném quer mamar? Tá bom, eu queria mesmo era me chamar Rosicler.
sábado, 22 de janeiro de 2011
Rei Lear, Ato III
Cena I
(...)
Kent: Eu te conheço. Onde está o Rei?
Cavaleiro: Lutando com o furor dos elementos; ordena aos ventos que atirem a terra dentro do mar ou cubram o continente com ondas gigantescas para que as coisas mudem ou deixem de existir. Arranca os cabelos brancos que as rajadas violentas, numa raiva cega, apanham em sua fúria e reduzem a nada. Do seu desprezível mundo de homem ele se agiganta, escarnecendo das voltas e revoltas do combate entre a chuva e o vento. Numa noite assim, quando a ursa esfaimada, que amamenta os filhotes, prefere não sair da toca, e o leão e o lobo, com o estômago roído pela fome, preferem consevar o pêlo seco, ele corre com a cabeça descoberta, invocando o fim do mundo.
Cena II
(...)
Lear: Sopra, vento, até arrebentar tuas bochechas! Ruge, sopra! Cataratas e trombas do céu, jorrem torrentes até fazer submergir os campanários e afogar os galos de suas torres. Relâmpagos de enxofre, mais rápidos que o pensamento, precursores dos raios que estraçalham o carvalho, queimem minha cabeça branca. E tu, trovão que abala o universo, achata para sempre a grossa redondez do mundo! Quebra os moldes da natureza e destroi de uma vez por todas as sementes que geram a humanidade ingrata!
Tigrinho
Pêlo rajado de preto e amarelo. Pequinês em corpinho viralatas.
Dieta de pão molhado no leite de manhã e antes de dormir. No tapete ao pé da cama. Água só do filtro. Xampu, escova, perfume e laço duas vezes por semana. Xixi e cocô com hora marcada. Só na grama. Vida de mandarim. Alento das tristezas da mãe. Único defeito: fornicar nas pernas das visitas.
Pidinho, por pândega, deu pinga. Misturada ao lombrigueiro. Atacou os miolos. Ficou meio lelé. E surdo por causa do traque amarrado no rabo. A mãe nunca soube. Senão moía o capeta no chinelo.
Até a mãe internar. 2 meses largado. Na mão de empregada. Carrapicho. Fome. Verme. Vômito. Sarna. Desespero da saudade. Das penas na mão do diabo.
Um dia fugiu. Nem passou da esquina. Virgem dos perigos da rua. Não ouviu a musiquinha, a buzina, o guincho do freio da kombi do gás.
Agonizou a tarde toda. Morto de sede, de dor. As perninhas, uma pasta tigrada no asfalto. Por fim descansou. 2 dias depois só a carcaça revirada na caçamba do caminhão de lixo.
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
S&Z
Z ia encontrar S. Caminhando distraído na calçada mal iluminada. Entre o estacionamento e o bar. Pensava nas possibilidades que se descortinavam.
Eis que surge, de surpresa, do nada, atravessado no caminho, insólito, rígido, um galho. De árvore mal plantada, mal localizada, mal podada, mal amada. Exatamente à altura da testa de Z.
Fatal a lei de atração dos corpos. O galho atraiu a testa. A testa dispersa foi atraída pelo galho. A testa e o galho chocaram-se. Com força. Força proporcional à pressa. À pontualidade de Z.
Doeu horrores. Z engoliu o palavrão. Levou a mão ao galo. Sangrava. Pouco, mas sangrava. Logo Z, que queria demonstrar a S ser uma pessoa desenvolta, centrada, equilibrada, bem sucedida. Como explicar o galo logo no primeiro encontro?
Ainda pensou em voltar para casa, fazer curativo. Não daria tempo. Relaxasse. Podia ser até o mote para quebrar o gelo inicial.
Às 20h em ponto Z sentou-se na mesa mais visível do bar. Pediu refrigerante. Guardanapos para estancar o sangue. 1 hora após o combinado e 3 garrafas de refrigerante bebidas, S ligou.
Não poderia ir ao encontro. Precisava pagar umas contas.
Àquela hora da noite? Pelo menos inventasse desculpa mais plausível. Mais criativa.S ainda teve a cara de pau de sugerir outro encontro. Z foi educado. Concordou. Porém deixou em aberto. Qualquer dia desses. Cujo sentido subentendido era: no dia de São Nunca. Deletou o contato no celular.
Z pediu uma super cafta extra para compensar a frustração. Feita com muita carne vermelha moída. Grelhada com muita manteiga. Coberta com muita batata e uma camada de 2 centímetros de espessura de mozarela derretida.
Voltou pelo mesmo caminho. Estufado como um baiacu. Ébrio de refrigerante. Doido para urinar. Já tinha até se esquecido do bolo, do galo. Lembrou de Pollyanna: as coisas poderiam ser piores do que eram.
Sentiu pena de S, coitado, tão ocupado, só a 5a feira à noite para pagar contas. Pensou até em ligar para S. Quem sabe combinar o encontro? Quem sabe acertariam os ponteiros? Quem sabe não estaria desperdiçando o romance da década por orgulho bobo? Um mero bolo?
Z já tirava o celular do bolso pra tentar recuperar o nome de S dos contatos quando veio o castigo. Implacável. Para deixar de ser besta. Bateu a testa no mesmo galho do início da história. Com a mesma força. A mesma violência. Só que, óbvio, do outro lado. Duas cicatrizes simétricas em menos de duas horas.
Em casa, borrifou água boricada nos machucados. Conectou-se ao site. S estava on-line. Já devia ter pago as contas. Z ignorou. Solenemente. Controlou a carência. De companhia. De carinho. De sexo fast-food. Desconectou. Ligou a TV. Desligou.
Nem meia-noite. 5ª feira. Sem sono. Sem vontade de ficar em casa.
Ligou para Pollyanna. Que também estava solteira. Sem sono. A fim de sair. Contou o mico, hilário, a primeira, a segunda pancada. Se estivesse bêbado tu desmaiava, e dormia por lá mesmo.
Foram para a farra. Voltaram para casa pouco antes da 6a feira nascer. Pollyanna ao volante. Z, os galos e o enfermeiro Júnior abraçadinhos no banco de trás.
Júnior? Presente concedido pelos deuses a Z, em plena balada. Para cuidar dos galos.
Fatal a lei de atração dos corpos. O galho atraiu a testa. A testa dispersa foi atraída pelo galho. A testa e o galho chocaram-se. Com força. Força proporcional à pressa. À pontualidade de Z.
Doeu horrores. Z engoliu o palavrão. Levou a mão ao galo. Sangrava. Pouco, mas sangrava. Logo Z, que queria demonstrar a S ser uma pessoa desenvolta, centrada, equilibrada, bem sucedida. Como explicar o galo logo no primeiro encontro?
Ainda pensou em voltar para casa, fazer curativo. Não daria tempo. Relaxasse. Podia ser até o mote para quebrar o gelo inicial.
Às 20h em ponto Z sentou-se na mesa mais visível do bar. Pediu refrigerante. Guardanapos para estancar o sangue. 1 hora após o combinado e 3 garrafas de refrigerante bebidas, S ligou.
Não poderia ir ao encontro. Precisava pagar umas contas.
Àquela hora da noite? Pelo menos inventasse desculpa mais plausível. Mais criativa.S ainda teve a cara de pau de sugerir outro encontro. Z foi educado. Concordou. Porém deixou em aberto. Qualquer dia desses. Cujo sentido subentendido era: no dia de São Nunca. Deletou o contato no celular.
Z pediu uma super cafta extra para compensar a frustração. Feita com muita carne vermelha moída. Grelhada com muita manteiga. Coberta com muita batata e uma camada de 2 centímetros de espessura de mozarela derretida.
Voltou pelo mesmo caminho. Estufado como um baiacu. Ébrio de refrigerante. Doido para urinar. Já tinha até se esquecido do bolo, do galo. Lembrou de Pollyanna: as coisas poderiam ser piores do que eram.
Sentiu pena de S, coitado, tão ocupado, só a 5a feira à noite para pagar contas. Pensou até em ligar para S. Quem sabe combinar o encontro? Quem sabe acertariam os ponteiros? Quem sabe não estaria desperdiçando o romance da década por orgulho bobo? Um mero bolo?
Z já tirava o celular do bolso pra tentar recuperar o nome de S dos contatos quando veio o castigo. Implacável. Para deixar de ser besta. Bateu a testa no mesmo galho do início da história. Com a mesma força. A mesma violência. Só que, óbvio, do outro lado. Duas cicatrizes simétricas em menos de duas horas.
Em casa, borrifou água boricada nos machucados. Conectou-se ao site. S estava on-line. Já devia ter pago as contas. Z ignorou. Solenemente. Controlou a carência. De companhia. De carinho. De sexo fast-food. Desconectou. Ligou a TV. Desligou.
Nem meia-noite. 5ª feira. Sem sono. Sem vontade de ficar em casa.
Ligou para Pollyanna. Que também estava solteira. Sem sono. A fim de sair. Contou o mico, hilário, a primeira, a segunda pancada. Se estivesse bêbado tu desmaiava, e dormia por lá mesmo.
Foram para a farra. Voltaram para casa pouco antes da 6a feira nascer. Pollyanna ao volante. Z, os galos e o enfermeiro Júnior abraçadinhos no banco de trás.
Júnior? Presente concedido pelos deuses a Z, em plena balada. Para cuidar dos galos.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
Chiquinho e Francisquinho - 22 - fim
Até Chiquinho telefonar. À meia-noite. À cobrar. Nem deu tempo para Francisquinho perguntar nada. Muita chuva na serra. Estavam ilhados. Só voltariam, se estiasse, na terça-feira.
Chiquinho ligou de novo. Só na terça-feira. Dizendo que tinha acontecido muita coisa naqueles dias. Que tinha pensado muito. Que precisavam conversar. Que não voltaria para casa. Ainda. Que Francisquinho entendesse.
Francisquinho entendeu.
Segurou o portarretratos dourado. A foto dos dois em Guarapari. O cartão com a frase sobre superação de crise ainda sobre o aparador. O boné de Chiquinho largado no sofá. Pensou em consolar-se com Donald. Desistiu de ligar. Abriu a geladeira. Fechou. Abriu de novo. Foi até a janela. Voltou. Ao quarto. A cama. A escova de dentes de Chiquinho na bancada do banheiro. Uma bola de estopa entalada na garganta. As lágrimas, o choro que não vinham.
Nem se deu conta de Bob, abanando o rabo, seguindo-o como sombra, por todos os cômodos do apartamento.
Era mesmo o fim.
Chiquinho e Francisquinho - 21
Não precisou. O filho de Sêmele estava bem humorado. Primeiro não deu bola para a promessa, que ele sabia, mortal nenhum seria capaz de cumprir. Bonachão, o deus-brother foi intempestivo. Como se se materializasse do outro lado da parede. Na sala onde a galera conversava alto. Colocou, literalmente, palavras. Justo na boca de Chiquinho: Caramba, que calor. Que tal terminar o trabalho no boteco da praia?
Ufa!
Foram. Donald inventou um imbróglio para Francisquinho vestir-se enquanto que o pessoal saía.
Francisquinho perdeu a noção do tempo. Vagou a esmo uma eternidade pelo bairro retomando o fôlego, recobrando as forças, processando os fatos. Chegou em casa à noite.
Intervalo: Cazuza
Eu não sei o que o meu corpo abriga
Nestas noites quentes de verão
E nem me importa que mil raios partam
Qualquer sentido vago de razão
Nestas noites quentes de verão
E nem me importa que mil raios partam
Qualquer sentido vago de razão
Chiquinho e Francisquinho - 19
Foi quando Francisquinho se deu conta. Segurava o celular. Ligado. Gelou-se-lhe o sangue pela segunda vez. Era como se portasse uma granada com o pino puxado. Tremeu. Temeu. Se algum infeliz, ou o próprio Chiquinho, sentisse saudades e ligasse, justo naquela hora, e o danado do celular tocasse?
Francisquinho tremia tanto que tinha medo até de, ao desligar o aparelho fazer qualquer movimento brusco e denunciar o esconderijo. Derrubar sem querer, por exemplo, a caixa de sabão em pó. Imaginava o flagrante, O Peninha, o Mickey e a Minnie, A Maga e a Min – e Chiquinho! – afastando os lençóis e dando de cara com ele ali, pelado como um pinto molhado, tremendo mais que vara verde.
Respirou fundo várias vezes. Até se acalmar. Com muito cuidado desligou o aparelho.
Crente que dessa ele tinha escapado.
Ledo engano. As desventuras de Francisquinho estavam longe de terminar.
Chiquinho e Francisquinho - 20
Apolo tinha mesmo tomado conta da situação. Castigava Francisquinho por ter libado tanto a Dionisos, a Afrodite, a Eros e se esquecido dele, representado pela pilha de filmes cult não vistos durante o feriadão.
De repente Francisquinho ouviu a voz de Min, na sala, elogiando: Que apartamento legal! Em seguida, Donald, empolgado enumerando as vantagens: área comercial, sobreloja, aluguel barato, boa vizinhança, apartamento espaçoso, ponto central, perto de tudo. O assunto rendeu: Dois quartos? Sala grande! Tem cozinha?
Donald respondeu: Tem até área de serviço!
Francisquinho gelou pela terceira vez. A vista escureceu. O coração parou de bater. O peito, uma bola de chumbo. O estômago quis sair pela garganta. Quase desmaiou Pasmo. Pálido. Pronto para subir os degraus do cadafalso. Já sentindo o frio da lâmina da guilhotina decepando-lhe o pescoço. O áspero da corda apertando. O punhal afiado da pitonisa arrancando-lhe as vísceras. A espada fulgurante do anjo expulsando-o do paraíso. O dedo acusador de Chiquinho.
Donald, o mesmo que há instantes compartilhava os fluidos amorosos, esquecera? O local objeto do assunto era justo o esconderijo do amante, do traidor. E se Donald resolvesse mostrar o apartamento aos colegas?
Francisquinho orou com todo fervor ao patrono daqueles dias turbulentos. Prometeu a Dionisos que seria a primeira e a última traição de toda a existência. Ofereceu vinho, uvas verdes, comilança, vela em cachoeira, despacho em encruzilhada, tudo o que o semideus quisesse. Até a alma.
A Apolo prometeu sacrificar 12 bois. Nos moldes de filme trágico com o velho Sir Lawrence Olivier. Assistiria aos 12 filmes.
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Chiquinho e Francisquinho - 18
A galera subiu como uma avalanche invertida. Entrou no apartamento na maior balbúrdia. Os olhos de Donald tinham sido obnubilados pela vingança do irascível Apolo? Era a única explicação para o fato dele não só não ter dispensado as visitas mas de convidar todo mundo para sentar.
Donald entrou na onda eufórica deles. Abandonou Francisquinho à própria sorte. Pelado, encostado no tanque, coração disparado, prendendo a respiração, debaixo dos lençóis estendidos, com cheiro de amaciante.
Francisquinho ouvia perfeitamente o que diziam. Com dor lancinante escutava os risos, a voz de Chiquinho sobressaindo-se às vozes dos outros. Uma lágrima furtiva escorreu. Por causa do ridículo daquela situação toda. Criada tão somente pela falta de diálogo. Pelo desgaste da relação. Os jogos de poder. A manipulação. O sufocamento mútuo. A codependência. Etc. Etc. Etc.
Chiquinho e Francisquinho - 17
Donald insistiu. Que Chiquinho se vestisse e fosse embora. Que tinha adorado o final de semana. Que queria ver Francisquinho de novo. Que combinassem a caminhada no parque para qualquer hora. Que andasse depressa.
Antes de Francisquinho esboçar qualquer gesto, o celular de Donald tocou. Era Margarida. Colega do TCC. Para dizer que o grupo estava indo para a casa do Donald. Aliás, já estavam chegando. Ou, melhor, estavam debaixo do prédio. O Peninha, o Gastão, a Minnie, a Maga e a Min. Para Donald descer, abrir a portaria, o interfone estragado.
O pior: Chiquinho estava entre eles.
A pândega de Dionsisos passava dos limites. E Apolo era mesmo cruel.
- Como assim? Francisquinho ainda perguntou. Chiquinho não estava na serra?
Donald não teve tempo de explicar.
- Junta tuas coisas e te esconde na área de serviço. Vou dispensar o pessoal.
Depois de tanto amor, sexo, surpresas e culpa Francisquinho nem discutiu. Não havia no quarto armário para entrar. Pular a janela era alto demais. Francisquinho rememorou todos os chavões de comédia conhecidos.
sábado, 15 de janeiro de 2011
Chiquinho e Francisquinho - 16
- Por que você não foi para o ensaio?
- Que ensaio?
- Da performance. Diversidade estética e de gênero nas artes performática contemporâneas.
- Esse é o título do nosso trabalho de formatura. Como você sabe?
- Chiquinho. Meu namorado. Você conhece?
- Claro. Do meu grupo.
- Mas não o ensaio foi cancelado. O professor iria viajar. Porto Seguro.
Francisquinho já estava pálido. Empalideceu ainda mais. Mais branco que o lençol. Se estivesse em pé, cairia desmaiado.
- Tem certeza? Chiquinho foi para a serra. Com o professor. Para ensaiar.
Donald levantou-se. Vestiu-se. Entregou a roupa de Francisquinho. Olhou o relógio:
- Você tem que ir. Lembrei que tenho um compromisso.
- Nenhum problema. Nossa relação é aberta.
Francisquinho mentia. Cego de ódio. O mesmo ódio de Medeia por Jasão. Sem demonstrar o mínimo sinal externo. A sirene, a luz laranja deu lugar a um único pensamento. Um ditado. Uma frase bíblica. Primitiva. Velha. Sábia. Egoísta. Cruel. Demasiado humana:
Olho por olho. Dente por dente.
Chiquinho e Francisquinho - 15
Toda a tarde juntos. Tudo muito engraçado. Tudo muito bom. Depois ficaram deitados no colchão, muito tempo, de mãos dadas, olhando para o teto.
Cabeça vazia é oficina do diabo. Já dizia a avó de Francisquinho. Que não conseguia ficar parado. Necessidade de ação, movimento. Deitado no colchão estendido no chão, Francisquinho olhava o ambiente, prestar atenção. Registro visual do local onde tinha cometido a primeira traição. A primeira não. A segunda.
Apartamento pequeno. Fotos coladas com durex na parede do corredor. Crianças, um palhaço. Crianças, Arlequim. Crianças, um príncipe. Crianças, um duende. Crianças e Donald. Animador de festas. Livros de teatro sobre a cadeira que servia de criado mudo. Teatro? Ator?
Uma luz laranja e uma sirena começaram a piscar e soar intermitentes no cérebro de Francisquinho.
Donald desfez com os dedos a testa franzida de Francisquinho. Alisou os cabelos. Preocupado? Ainda não.
Mas a luzinha laranja e a sirena insistiam. Havia algo errado. E não era só culpa. Talvez paranóia?
Francisquinho fechou os olhos. Depois abriu. Como se assim apagasse de vez o mau pressentimento.
E eis que o olhar fixou-se em um pedaço de papel. Grudado também com durex. Na parede ao lado da cama.
Um horário de escola.
Francisquinho perguntou:
- Você estuda?
Resposta óbvia:
- Sim. Teatro.
A luz laranja piscou mais rápido. O volume da sirena era ensurdecedor.
- Onde?
Francisquinho sentiu o mesmo que Jocasta quando descobriu ser mãe de Édipo. Julieta ao acordar e ver Romeu morto de verdade (ou foi o inverso?) Surpresa, susto, temor. O chão fugiu-lhe dos pés. Ou, melhor, das costas, uma vez que estavam deitados. Francisquinho não deveria ter perguntado. Donald estudava na mesma escola onde Chiquinho estudava.
Chiquinho e Francisquinho - 14
À tarde Donald ligou. Chamando Francisquinho para almoçar. Comida improvisada. Francisquinho levaria o refrigerante.
A ficha de Francisquinho tinha caído. Traíra Chiquinho. Pela primeira vez. Em 5 anos de casamento. Culpa, culpa, culpa. Aliviada, em parte, pelo ciúme. Tentou encontrar desculpas. Justificativas para o deslize. Havia algo errado com Chiquinho. Não tinha sido ele quem falou pela primeira vez em privacidade? Que tinha até proposto uma relação aberta? Que afirmava não acreditar em traição quando fosse só sexo?
Ainda havia a história mal contada das manchas roxas no pescoço. Do professor orientador. A raiva contida de Francisquinho por causa do final de semana inteiro longe.
Sim, não havia como negar. Mesmo nos três meses de tranquilidade aparente, o casamento de Chiquinho e Francisquinho vivia sob a crise.
Chiquinho e Francisquinho - 13
Francisquinho já embarcava no dilema intimista de Bergman quando o telefone tocou. O coração disparou. Seria Chiquinho? Com saudades?
Correu para atender. Não podia ser Chiquinho. Na chácara do professor orientador não pegava celular.
Era Donald. Convidando Chiquinho para dançar. Festa óootima. DJ australiano. Gogo-boys de BH. Hostess divertidíssima. Convite imperdível!
Francisquinho estava com preguiça. Outro banho, arrumar-se, acordar tarde no dia seguinte? Sábado na Dreepsy é horrível. E o passeio no parque amanhã cedo? Donald riu do outro lado: a gente passeia outro dia.
Foram no carro de Donald. A festa estava mesmo boa. Dançaram a noite toda. Francisquinho divertiu-se como há muito tempo não se divertia com Chiquinho.
De manhã tomaram café na padaria. Donald convidou Francisquinho para subir.
Francisquinho aceitou.
Nessa hora desmoronaram o bom senso, os valores morais, a responsabilidade apolíneos. Balançou a estrutura o amor que Francisquinho jurava sentir por Chiquinho. O poder do semideus Dionisos veio como uma avalanche arrastando tudo. O instinto humano, animal de Francisquinho revelou-se ali mesmo, no banco de carona do carro de Donald. O super-herói, o super-homem sob a capa do pacato cidadão.
Não perderam tempo. O primeiro beijo, sôfrego, foi no elevador mesmo. No corredor, nem se importando em acordar a vizinha. Difícil abrir a porta, a mão, os braços, a boca ocupados.
Foi intenso. Depois de recolher os escombros, Francisquinho foi embora cuidar de Bob.
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Chiquinho e Francisquinho - 12
Francisquinho amava tomar banho. Mesmo que só sentado na minibanheira que Chiquinho fez questão de instalar no box. Com hidromassagem. Colocou Cassandra Wilson bem alto. Acendeu a vela aromática. A luz azul. Relembrando os bons momentos vespertinos.
Donald tinha tudo a ver. Tão legal, tão gente fina. Que sorriso! e os olhos verdes então? Podiam ser mesmo bons amigos. Chiquinho também gostaria dele?
Assou uma pizza. Abriu outro vinho. Pronto para a pilha dos filmes cult aguardando sobre o aparelho de DVD.
Chiquinho e Francisquinho - 11
Francisquinho engoliu a comida. Nem quis sobremesa. Deixou o troco com o garçom. Mascou dois chicletes e foi atrás do conhecido.
Que, por acaso, perambulava por ali. Fazendo a digestão. Como quem não quer nada. Sem camiseta sob o sol escaldante do sábado. Surpreendeu-se em rever Francisquinho em intervalo tão curto.
Ah, desígnios misteriosos os de Dionisos! Fazer nascer, do dia para a noite, de dentro da casca do pacato, comportado, fiel e apaixonado Francisquinho um predador implacável... Só podia ser pândega...
Donald, muito prazer. Nunca se tinham visto antes. Mudara-se há pouco.
Francisquinho propôs ao vizinho apresentar o melhor café. O melhor sorvete. Quem sabe o melhor chopinho do bairro. Donald topou. Também sem nada para fazer no feriadão. A mudança ainda não tinha chegado.
Conversaram toda a tarde. Como se se conhecessem há séculos.
Francisquinho olhou o relógio: caracas! nem vi o tempo passar... Tenho que passear com o Bob. Donald não se fez de rogado. Amava bichos. Principalmente cães: se quiser, te acompanho.
Na portaria do prédio, Francisquinho pensou em convidar Donald para subir. Mas havia os filmes cult pagos adiantado. A louça suja da noite anterior enchendo a pia. O retrato dele e Chiquinho emoldurado. A dignidade, a fidelidade, a sensação de errado. Trocaram os números de celular. Um aperto de mão. Donald abraçou forte o novo amigo. Combinaram uma corrida no parque para o dia seguinte.
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
Chiquinho e Francisquinho - 10
Francisquinho dormiu até a 1 da tarde do sábado. Acordou estranhamente bem disposto. Um novo homem.
Faminto como um leão. Necessitado de carboidratos, proteínas e líquidos, como um beduíno. Fraco como uma cadela velha no cio. O único resquício da depressão da noite anterior era um sentimentozinho de culpa, quase imperceptível, por menoscabar o vetusto Apolo (representado pela pilha dos filmes cult intocados) e libar em excesso a Dionisos, os filmes pornôs.
Brigou com Bob. Que tinha se aliviado no tapete, coitadinho, não aguentou. Tomou um banho gelado. Com preguiça de comer macarrão de novo, colocou os óculos escuros, a bermuda branca, os fones de ouvido, o boné. Para almoçar no self-service do outro quarteirão.
O mais incrível: até aquela hora nem tinha se lembrado ou pensado em Chiquinho.
O restaurante estava vazio. Sentou-se de frente para a rua. Para ver o movimento. Quase nenhum. Bairro sossegado. Nem notou a entrada do outro freguês. Que sentou-se, sozinho, na mesa ao lado. Em ângulo de visão perfeito para observar e ser notado por Francisquinho.
Francisquinho retribuiu o sorriso. Era péssimo para fisionomias. Conhecia? Provavelmente das caminhadas com Bob. Do Parque. Da academia. Da praia. Do elevador do prédio. Do clube.
Na falta de Chiquinho, Francisquinho não desperdiçaria, sozinho, a dose de felicidade extra proporcionada por Dionisos. Após alguns instantes de hesitação o novo Francisquinho iria ousar. Oferecer-se, pasme!, para sentar-se à mesa do freguês: Posso? É tão ruim comer sozinho. Lindo dia! A gente se conhece de onde? Muito prazer.
Chiquinho e Francisquinho - 9
Francisquinho não se deixaria levar pela minidepressão instalada. Chiquinho estava longe e pronto. Só 4 dias. Ligou para Lalá, Lelé e Lili. Em Búzios. Vem pra cá, está óoootimo!, Lalá chamou. A gente tá fazendo bobó, Lelé falou. Tá cheio de gente linda, disse Lili. Mas Francisquinho morria de preguiça de pegar estrada àquela hora.
Durante o banho desistiu de dançar. Sem Chiquinho. A Dreepsy devia estar deserta. Todo mundo viajando. Vestiu o pijama. Estourou pipoca. Trouxe coca-cola no balde de gelo. O resto do chocolate na caixa. Os filmes.
Começou pelo Kurossawa. A comédia romântica. Por fim o 1º pornô do fundo da sacola. Às 22h.
Terminou de assistir ao 4º filme às 3 da madrugada. Reviu as melhores cenas do 1º. Do 2º. Assim por diante. Só parou quando, totalmente exaurido pelo esforço físico e mental repetitivo, reparou, às 5h30min, a 1ª claridade do alvorecer através da cortina de voal.
Contabilizou na mesinha de cabeceira:
6 pacotes de pipoca;
1 ½ garrafa de coca-cola;
¾ do resto do vinho do almoço;
1 caixa de lenços de papel.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Chiquinho e Francisquinho - 8
Francisquinho guardou os cogumelos, os tomates e o refrigerante na geladeira. O sorvete e as pizzas no congelador. O macarrão e o molho no armário. As tangerinas na fruteira. Coçou a barriga de Bob estatelado no tapete da sala. Levou os filmes e a caixa de chocolates para o quarto. Tomar uma ducha, assistir um filme e depois preparar o almoço.
Começou por Priscila. Parou na metade. Cochilou nos primeiros 10 minutos do Kurossawa indicado pelo chefe. Trocou por uma das comédias. Evitando os pornôs, reservados para a insônia na madrugada. Para quando a saudade de Chiquinho apertasse. Quem disse que prestava atenção? Tudo chato. Demorado. Lento. O drama, o rosto de Ingrid, as rugas de Catherine, as roupas e as piadas sem graça de Bernadette, Mitzi e Felicia. Ah, como a vida sem Chiquinho era vazia.
Quase 3 da tarde. O estômago roncava. Preparou peine ao funghi e ervas. Maravilhoso. Do jeito que Chiquinho gostava. Colocou os dois pratos na mesa, talheres, dois copos, dois guardanapos. Serviu-se, se muito, três garfadas e quase meio litro de coca-cola. Tão triste. A ponto de chorar.
Assim passou a tarde. O início da noite. Entre o quarto e a geladeira. O banheiro e a varanda. O chocolate, as batatas pringles e a coca-cola. Entre um trecho de filme e o zapping na TV a cabo. Entre o passeio vespertino de Bob e o prato de macarrão aquecido no microondas. Entre o primeiro cálice de vinho, outro e outro e a segunda garrafa de vinho aberta.
Vontade de ligar para Chiquinho, mandar uma mensagem, volta, tô com saudade. Não, aquilo não podia continuar.
Chiquinho e Francisquinho - 7
Francisquinho voltou para a cama. Para sentir o restinho do calor de Chiquinho debaixo do cobertor. Do cheiro de Chiquinho no travesseiro. Do gosto de Chiquinho ainda na boca. Rolou na cama muito tempo, tentando pegar no sono de novo.
Levantou-se por volta das 9. Com Bob arranhando a porta do quarto. Desceu com o cão. Deu uma volta no quarteirão deserto. Subiu, serviu ração e água, tomou banho, preparou o café. Entrando no clima do retiro espiritual forçado.
Bateu uma preguiça enorme de sair, o parque, a piscina, o shopping. Sem Chiquinho tudo perdia a graça. Porque não recolher-se? Enfrentar a solidão forçada? Metódico, anotou as opções na caderneta de recados:
1. locar filmes;
2. separar na estante os livros ainda não lidos;
3. arrumar o quartinho das tralhas;
4. separar as fotos;
5. comprar comida;
6. ligar para Lalá, Lelé e Lili;
7. dançar?
2, 3 e 4 podiam ser feitos a qualquer hora de qualquer dia do feriadão.
7 seguido de interrogação dependia do estado de espírito, do desenrolar dos acontecimentos.
6, quem sabe?
1, 2 e 5 era o mais urgente. As lojas do bairro fechavam ao meio dia. Nem precisava tirar o carro da garagem.
Primeiro o mercadinho. Depois a locadora. 15 filmes. Para devolver só na segunda-feira. Clássicos em preto-e-branco. Comédias românticas. Priscila a Rainha do Deserto para rever pela enésima vez. E escondidos no fundo do pacote, após alguma hesitação, 4 pornôs.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Chiquinho e Francisquinho - 6
Francisquinho reprogramou-se. Com o apoio de Chiquinho. Além de cuidar de Bob, poderia ocupar-se no feriado. No clube. No parque. No telefone. Na feira de orquídeas. Assistir TV a cabo. DVDs. Tirar o atraso do sono. Almoçar no shopping. Cineminha. Lanchar na creperia. Pizza com Lalá, Lelé e Lili, as colegas do trabalho. Quem sabe a matinê da Yellow. O bate-estaca da Dreepsy.
Chiquinho jurou de novo fidelidade e amor eternos. Tinha até pensado em desistir do passeio – ato falho!, do ensaio – mas não podia, a apresentação marcada para os próximos dias. Disse que sentiria saudades. Advertiu Francisquinho para comportar-se. Para não dar mole a ninguém na boate. Para esperar por ele.
A noite foi de chamego e carinhos. Francisquinho fingiu não ter visto a mancha roxa no ombro de Chiquinho. No pescoço. Coitado, a pele sensível, deve ter batido em algum lugar. Até o interfone tocar, de madrugada, antes das 8. Francisquinho não resistiu. Olhou pela janela Chiquinho entrando no carro. Provavelmente o carrão do professor orientador.
Chiquinho e Francisquinho - 5
Aconteceu na quarta-feira, às vésperas do feriadão. No carro. Na volta do trabalho. Francisquinho dirigindo, Chiquinho no banco do passageiro. Chiquinho falou que passaria o feriado fora. Ensaio. Tipo concentração. Na chácara do professor orientador. Na serra. Onde o celular não pegava. Sairiam cedo no dia seguinte. Voltariam na segunda-feira depois do almoço. Ou talvez na terça.
Francisquinho sentiu uma pontada. Engoliu em seco. Chácara? Professor? Suportaria passar a eternidade do feriado sem Chiquinho? Era dependência? carência? ciúme? Desconfiança? Era tudo junto.
Chiquinho aumentou o volume do rádio. Mesmo sendo hora da Voz do Brasil. Não trocaram palavra até entrar em casa. Francisquinho ligou a TV. Chiquinho abriu uma lata de cerveja. Não ofereceu a Francisquinho. Arrumou a mochila.
Chiquinho, impiedoso, jogara Francisquinho na jaula das feras da solidão.
Autocontrole era essencial. Cena de ciúmes àquela altura só pioraria as coisas. Francisquinho tentava compreender. Aceitar. Era a hora de provar ser um exímio piloto para o aviãozinho do amor não embicar de vez e explodir no solo matando o tripulante, o comissário de bordo e o passageiro canino. Francisquinho Respirou fundo. Desligou a TV. Afinal de contas, era o trabalho de formatura de Chiquinho. A chave de ouro que abriria as portas da carreira do namorado.
Só traiu-se ao deixar escapar, cara e voz desamparadas: eu vou cuidar do Bob sozinho? Pergunta desnecessária. Óbvio que sim.
sábado, 8 de janeiro de 2011
Chiquinho e Francisquinho - 4
Chiquinho cursava o último semestre. Teatro. Estava empolgadíssimo com o TCC. Cujo tema Francisquinho achou o máximo: a diversidade estética e de gênero nas artes performáticas contemporâneas. Trabalho de grupo. A parte teórica estava quase pronta. A prática seria, é óbvio, uma performance. Em espaço cultural alternativo. Com registro fotográfico, filmagem, projeções, trilha sonora e transmissão pela internet.
Francisquinho dava a maior força. Pesquisava. Imprimia imagens. Sugeria detalhes de figurino. Morto de vontade de colaborar. Como se o TCC fosse dele também.
Chiquinho agradeceu. Mas foi categórico: nada a ver. Francisquinho compreendeu. Só queria ajudar.
Os ensaios começaram. No espaço cultural alternativo. Em um bairro afastado. Quase periferia. Chiquinho recusou a oferta de Francisquinho levá-lo. Não precisava. Ia de carona com o grupo. De ônibus. De metrô.
Ensaio de teatro sempre atrasa. Demora para acabar. Ensaio de performance então nem se fala. Nos primeiros ensaios Francisquinho esperava Chiquinho chegar. Preocupado com os assaltos, os traficantes, as balas perdidas. Nem prestava atenção ao filme, à notícia do jornal da noite, ao entrevistado do talk-show. Só se deitava porque precisava acordar cedo no dia seguinte. Mas não dormia. Ansioso esperando ouvir o barulho da chave na porta. 3h. 3h:30min.
Os dois eram adultos. Cada um conhecia suas responsabilidades. Longe de Francisquinho ser chato. Controlador. Podar o impulso criativo de Chiquinho. Por isso, fingia dormir quando Chiquinho entrava debaixo do lençol. Com cheiro de suor, bebida e cigarro amargando a madrugada.
Chiquinho e Francisquinho - 3
Mas a crise engendrava-se. Os sinais cada vez mais evidentes. Contrariedades bobas no começo: café fervendo na cafeteira; torrada passada do ponto; tênis jogados na sala; cocô de Bob que alguém esqueceu de limpar; etc.
Chiquinho achava normal. Coisas cotidianas. Problemas de casal. Francisquinho procurava cabelo em ovo. Francisquinho sentia-se culpado. Na obrigação de mudar atitudes. Mudar demandava esforço hercúleo.
Mesmo com a certeza do poder do amor que um sentia pelo outro. Mesmo com fé e perseverança supera-se qualquer obstáculo, frase transcrita por Francisquinho do horóscopo da internet diretamente para o cartão do presente de quinto aniversário do casamento: o cão. O filhote de São Bernardo. Tentativa desesperada. A última antes de apertar o botão para ejetar o banco do aviãozinho. E puxar a cordinha do paraquedas.
Assim, Chiquinho, Francisquinho e Bob viveram felizes. Para sempre. Ou quase. Por mais 3 meses. Até algumas semanas antes do final do período letivo.
Sim, havia Bob. Que ocupava cada vez mais espaço. Na relação entre Chiquinho e Francisquinho. Na varanda do apartamento de frente para o mar. Bob exigia tempo, disposição, atenção. Exigia descer 3 vezes por dia. Exigia veterinário, vacina, reclamação de vizinho. Bob ameaçava as férias no Caribe.
Onde deixar o pobre cãozinho? Os amigos desculpavam-se. Bob era muito grande. Hotel para bicho Chiquinho nem cogitava. Além disso, havia o TCC - trabalho de conclusão de curso.
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