Toda a tarde juntos. Tudo muito engraçado. Tudo muito bom. Depois ficaram deitados no colchão, muito tempo, de mãos dadas, olhando para o teto.
Cabeça vazia é oficina do diabo. Já dizia a avó de Francisquinho. Que não conseguia ficar parado. Necessidade de ação, movimento. Deitado no colchão estendido no chão, Francisquinho olhava o ambiente, prestar atenção. Registro visual do local onde tinha cometido a primeira traição. A primeira não. A segunda.
Apartamento pequeno. Fotos coladas com durex na parede do corredor. Crianças, um palhaço. Crianças, Arlequim. Crianças, um príncipe. Crianças, um duende. Crianças e Donald. Animador de festas. Livros de teatro sobre a cadeira que servia de criado mudo. Teatro? Ator?
Uma luz laranja e uma sirena começaram a piscar e soar intermitentes no cérebro de Francisquinho.
Donald desfez com os dedos a testa franzida de Francisquinho. Alisou os cabelos. Preocupado? Ainda não.
Mas a luzinha laranja e a sirena insistiam. Havia algo errado. E não era só culpa. Talvez paranóia?
Francisquinho fechou os olhos. Depois abriu. Como se assim apagasse de vez o mau pressentimento.
E eis que o olhar fixou-se em um pedaço de papel. Grudado também com durex. Na parede ao lado da cama.
Um horário de escola.
Francisquinho perguntou:
- Você estuda?
Resposta óbvia:
- Sim. Teatro.
A luz laranja piscou mais rápido. O volume da sirena era ensurdecedor.
- Onde?
Francisquinho sentiu o mesmo que Jocasta quando descobriu ser mãe de Édipo. Julieta ao acordar e ver Romeu morto de verdade (ou foi o inverso?) Surpresa, susto, temor. O chão fugiu-lhe dos pés. Ou, melhor, das costas, uma vez que estavam deitados. Francisquinho não deveria ter perguntado. Donald estudava na mesma escola onde Chiquinho estudava.
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